Giros na Dança!


O giro na Dança do Ventre é um dos elementos mais lindos na apresentação. Com ou sem o véu, é sempre um fator de encantamento.
O ato de 'girar' tem uma simbologia que ultrapassa o nível da técnica e nos remete aos estudos dos sentidos, dos povos e dos símbolos.
Primeiro vamos falar da parte técnica, do físico. Num próximo post, vou falar sobre a teoria e os conceitos do ato de girar, desde os Dervixes, até pesquisas em antropologia.
Vamos a este post, primeiramente a Parte 1:
Equilíbrio - Cuide do Ouvido.
Por que o ouvido? Porque é ele o responsável pela detecção dos movimentos acelerados e a manutenção do equilíbrio do corpo.
Em específico, o ouvido consiste em 3 partes básicas - o ouvido externo, o ouvido médio, e o ouvido interno.
É no ouvido interno que está todo o aparato responsável pelo equilíbrio.
Pessoas que têm Labirintite geralmente têm dificuldade extrema para executar os giros na dança.
Às vezes a aluna descobre ter Labirintite - ou uma crise dela - durante a aula.
É importante que a professora esteja atenta e não force a aluna a executar o giro.
Nesse caso, o melhor a fazer é averiguar com um médico Otorrino, se há algum problema.
 Cuidar do ouvido não envolve só protegê-lo por causa da Audição, mas também do Equilíbrio e eixo de nosso corpo.

Cuidamos da Audição quando colocamos um volume adequado no fone; quando fazemos a higiene corretamente; quando utilizamos brincos e piercings coerentes com nossa estrutura corporal e protegemos o ouvido quando utilizamos a piscina ou em ocasiões de trabalho laboral.
Cuidamos do Equilíbrio e eixo quando nos alimentamos corretamente, com nutrientes para o bom funcionamento do nosso corpo e não abusamos de cafeína e estimulantes. O excesso de cafeína, bebidas alcóolicas e estimulantes (café, refrigerante, chá preto, etc) desestrutura nosso aparato auditivo- e isso inclui o equilibrio.
Lembram-se do Teste de Andar em Linha Reta e 'Fazer o 4' para pessoas alcoolizadas? Pois é. Quando a bebida excede os limites do corpo, o primeiro sintoma é o andar 'cambaleante', o famoso 'andar de bêbado'. Por isso, bailarinas: cuidado com o excesso de bebida.
Mesmo que o beber seja apenas 'socialmente', com o tempo as estruturas físicas se desgastam devido ao álcool. Daí vem tremores, desequilibrio e vertigens.
Um bom giro na dança começa pelo seu cuidado físico. Cuide do seu ouvido e de seu corpo.
Tipos de Giro na Dança:
Tecnicamente, existem dois tipos: Giro Ocidental e Giro Oriental.
Têm esse nome devido à marcação utilizada para a sua execução:
Ocidental - olhamos para fora, marcamos um ponto no espaço externo ao nosso corpo, para servir de base para o eixo.
Oriental - olhamos 'para dentro', para um ponto em nosso próprio corpo, como eixo. (braço, ombro, mãos, etc.)
Há maneiras diversas de executar os giros e milhares de possibilidades de direção, desenhos e molduras dos braços.
Há dois importantes fatores psicológicos que influenciam na técnica do giro: o medo da entrega e os mecanismos de defesa.
Mesmo com o físico em perfeito estado, esses fatores podem alterar a estrutura da sua dança.
*Nota: As informações sobre estrutura do ouvido foram resumidas. Para um  aprofundamento específico, consulte um Otorrino.
A Estrutura dos Giros
Nas bibliografias sobre Dança, não há ainda uma obra estabelecida somente para tratar dos Giros como técnica em dança. Isso pode acontecer, porque é muito difícil dissociar a parte ritualística e significativamente social e antropológica do ato de Girar.
 O giro é uma 'dança por natureza'.
 Crianças passam horas brincando de girar, dervixes giram para encontrar seu deus, as 'giras' da umbanda delimitam o espaço e o momento da presença do Orixá, e em muitas culturas através dos tempos e do mundo, o ato de girar é presente, com diversos significados.
A estrutura que antecede o ato de girar principia em nosso eixo e equilíbrio.
É preciso estabelecer um ponto de segurança e conexão com o espaço (que pode ser em nosso próprio corpo ou em um ponto no local, externo a nós) e somente depois desencadeamos a ação de girar.
Uma base é necessária, mesmo durante a execução do giro - os pés não saem ao mesmo tempo do ponto eixo, por mais que pareça o contrário, sempre haverá uma troca de peso e pés, para ter a base presente.
 O movimento de girar dependerá de três circunstâncias:
 - o grau de energia: a energia que empregamos ao realizar o movimento é a responsável pela expressão (cansaço, força, disposição, rancor);
 - a velocidade: podemos classificá-la em inferior à necessária, superior à necessária e exata.
 - o desenho: pode ser curvo, reto ou sinuoso.
O movimento poderá ter sua expressão alterada de acordo com essas três circunstâncias e dependendo do contexto em que é apresentado.
Um bom giro vai depender do seu eixo, da maneira como posiciona o seu corpo em termos de contato com o solo e as possibilidades de transitar por esse eixo.
 A música é o seu guia em relação à velocidade, desenho e grau de energia.
 A bailarina deve compreender a proposta da música e com os giros, sinalizar o seu significado.
Há maneiras diversas de executar os giros e milhares de possibilidades de direção, desenhos e molduras dos braços.
Uma boa dica é treinar diversas possibilidades e sentir de que maneira isso pode afetar seu equilíbrio.
 Um bom giro é aquele em que a bailarina se diverte enquanto gira, respira, descansa.
Girar deve ser sempre tranquilo, a bailarina só deve fazê-lo quando sentir-se segura.
 Para deixar sua dança interessante, imagine diferentes possibilidades de braço, posicionamento da cabeça e finalizações.
 Pensar no início e no final do giro é preciso, para que não fique algo sem sentido.
Finalizar com arabesques, um bom trabalho de pernas ou uma bela pose, deixa sua dança grandiosa.
 Na dança do ventre, os giros são muito utilizados nas finalizações, seguidos de uma bela pose de impacto. Mas lembre-se: sempre de acordo com a música.
 Uma fonte de inspiração que eu costumo utilizar são os giros da patinação artística. As patinadoras sabem como ninguém fazer belos desenhos de braços e alternar a velocidade dos giros. Essa é minha dica: veja vídeos de patinadoras, a minha favorita é Irina Slutskaya .
 Treine os dois tipos de giro (oriental e ocidental) para sentir qual é o de execução mais tranquila para você. Lembre-se: mais tranquila. Não se acomode no mais fácil, mas no que é tranquilo para a você. Brinque com as direções (sentido horário e anti-horário, diagonais, variações).
E permita-se a entrega enquanto gira.
Um giro não será visualmente bonito nem interessante se transmitir medo ou insegurança.
Giros - Fatores Psicológicos
Somos um corpo que dança. Um corpo que não é destituído de sentimentos, emoções e vivências. Somos humanas, e não robôs.
Cada bailarina tem sua marca pessoal.
Isso não se restringe apenas a estrutura física (gorda, magra, alta, baixa) nem em nossas cores (cabelo, pele, olhos) ou traje, perfume e formas.
Cada fibra, músculo e toda a estrutura orgânica se articulam com nossas experiências pessoais que trazemos desde a concepção.
A vida desde seu início se traduz por movimento. Estamos em constante movimentação.
Repare no fluxo sanguíneo percorrendo o corpo, os órgãos digestivos, a vibração de cordas vocais, o batimento cardíaco.
Somos ritmo, o tempo todo.  Quando ainda bebês, precisamente fetos, já na 20ª semana de gestação são capazes de ouvir e perceber movimentos internos e externos. Desde esse período, nosso aparato mental e de memória registra sensações, vivências e lembranças.
Muitas vezes essas lembranças podem surgir anos depois, em situações de vida ou acontecimentos que fazem 'disparar' essas memórias, em ocasiões que nem imaginamos ou associamos.
 O ato de girar traduz intensamente a noção de movimento como continuidade da vida.
 Um corpo sem vida não tem movimento, até os animais percebem isso.
Quando giramos, estamos conectados a força máxima de vida: movimento!
Desse ato, porém, podem surgir outros mecanismos positivos e negativos. Girar nos faz sair do eixo fisicamente e, no aspecto psicológico, nos liberta.
Esse 'libertar-se' pode trazer no aspecto positivo:
- sensação de liberdade;
- alegria;
- plenitude;
- expansão

No aspecto negativo:
- medo;
- ansiedade;
- defesa.
Os aspectos positivos são experimentados quando nossa estrutura interna está 'em equilíbrio'. Coloquei esse termo entre aspas, porque é preciso atentar que a definição de 'equilíbrio' não significa um atestado de 'normalidade' ou 'ausência de patologia', mas sim um estado em que temos qualidade de vida, em que nossas ações e sentimentos estão em sintonia, um estado em que sabemos quem somos, o que podemos ser e vivemos a vida transitando de maneira estável, mesmo entre problemas e situações que todas passamos.
 Esse equilíbrio pode mudar, as vezes pelo surgimento de um fator externo, uma doença, algo que foge ao nosso controle. Nesse caso, o equilíbrio fica 'pausado' até que a situação se estabilize.
 Por isso muitos Psicólogos utilizam em laudos, após a palavra 'equilíbrio' a frase: 'até o momento'.
 Porque sabemos que tudo pode mudar, e isso é fato, não motivo de perturbação ou patologia. Depois o ciclo pode voltar a se estabelecer.
O giro faz com que nossa estrutura 'se abra' para a Vida, o Universo, o CÉU (Campo de Energia Universal). Por isso, colocaremos 'para fora' o que está em nosso interior.
Quando algo está em 'desequilíbrio' (foge ao nosso controle, o que nos tira do 'equilíbrio' interno, como definido acima) o giro em sua movimentação e abertura, nos mostra os aspectos negativos de nosso mecanismo interior.
O medo é o primeiro a surgir.
Primeiro um medo físico: da queda, de machucar-se, de perder o sentido de direção.
Por mais que tenhamos consciência de que o corpo nos sustenta e se a queda vier, do chão não iremos passar (como dizia Mariane Nakao, minha primeira professora de Dança), algumas pessoas tem um medo impressionante da queda. Pode-se mostrar treinar, mas a pessoa simplesmente 'trava' perante o medo de cair. Nesse caso, nem é de machucar-se, mas sim de cair, como se o chão fosse se abrir e entrássemos num abismo profundo.
 Em algumas abordagens psicológicas, o medo da queda pode significar o medo do autoconhecimento, de encontrar nossos segredos ou desejos mais profundos.
 O medo de machucar-se pode 'mascarar' um desajuste na autoestima e um mecanismo de defesa, ativado por históricos de frustrações em relacionamentos (traições, decepções, mágoas). A pessoa teme tanto machucar-se, porque isso significa que mais uma vez ela irá sofrer.
 Perder a direção diz respeito não só a localização no espaço físico, mas no meio em que vive. Pode sinalizar pessoas com dificuldades de se impor em seu ambiente social, profissional ou familiar; bem como o medo de perder a estabilidade e o status que já foi conquistado.
 Durante o ato de girar, também podem surgir sensações de ansiedade e defesa.
A ansiedade nos avisa de que algo pode dar errado, ou tornar-se incômodo. A bailarina gira ansiosa para que aquilo termine logo, senão algo de si 'poderá ser demonstrado, percebido'.
 A 'defesa' trabalha nesse mesmo aspecto, não permite um giro pleno, uma postura corporal tranquila, pois tenta 'proteger' da queda, do medo, do que o giro deixará fluir.
 É preciso registrar e entender que esses fatores são uma pequena ramificação de processos internos bem mais profundos e complexos. Não se deve 'psicologizar' tudo.
É saudável ter receio de girar por medo de cair, é saudável tentar proteger o seu corpo, já que ele é instrumento da sua arte, seu trabalho.
O que pode indicar um 'probleminha' é se os medos surgirem numa frequência constante e se você perceber que há pontos de sua dança que não evoluem, por mais que se pratique e treine.
 E não vai ser este artigo ou uma pesquisa de internet superficial que vai explicar acerca do ato de girar não ser eficaz em sua dança.
 É preciso primeiro checar se o problema não é puramente falta de treino, prática e orientação dirigida por uma professora competente.
Ou se o problema é físico, como descrevi sobre os Cuidados-Equilíbrio e Ouvido.
Caso não seja nenhum desses fatores, olhe para você mesma, faça um exercício de autoconhecimento (como lida com críticas, frustrações, expectativas?) e procure uma ajuda auxiliar com um Terapeuta ou Psicólogo. É muito bom poder falar de nossas questões com alguém confiável, que vê a situação por outro ângulo e pode ajudar com meios diferentes do que nosso repertório está acostumado.
Já se foi a época em que fazer terapia era considerado coisa de 'louca.' Isso é preconceito, coisa de gente mal informada.
No mais, procure qualidade para a sua vida. Faça o que gosta e goste do que você faz. Seja coerente com o que você vive e acredita. Faça aos outros o que gostaria que fizessem por você e entenda que a vida, as pessoas, podem nos magoar e isso nem sempre é maldade.
 Viva, com o melhor e o pior que a vida trouxer, lembrando-se que tudo é movimento.
Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe...
E gire feliz!
Giros – Simbologia
“Um giro secreto em nós faz girar o universo
A cabeça desligada dos pés, e os pés da cabeça.
Nem se importam.
“Só giram, e giram.” (Rumi)
 O Ato de Girar tem símbolos em praticamente todas as culturas, em diversos segmentos.
 No segmento religioso, o ato de Girar expressa um 'desprendimento' da alma, em busca do contato direto com Deus.
Quando giramos, estamos livres de todas as 'amarras', receios e padrões, isso facilita o caminho numa ligação com o divino, por meio da mudança de eixo, da entrega e da confiança total ao criador de todos nós.
O universo foi criado em movimento, e pelo movimento retornamos ao nosso centro criador.
'Girar para encontrar Deus' é o que impulsiona os Dervixes ou Sufis e mesmo em shows de Tanoura, é o sentido por trás de cada ato.
 Passeando pelas religiões africanas, também encontramos o ato de girar como característica essencial para reconhecer uma entidade específica (Umbanda ou Candomblé).
 Em algumas escolas de Yoga e de Meditação, professores utilizam os Giros como método para reorganizar e reequilibrar os chackas - ou canais de energia do corpo.
Crianças costumam brincar de girar, como um passatempo silencioso e divertido, e muitas vezes giram até cair, felizes, descobrindo o que o ato de girar as faz sentir.
 O Giro como metáfora pode traduzir tanto perda quando descoberta ou ganho e também se faz presente em ditos populares ou letras de belas canções. Brinque de pesquisar e digite no Google 'giro' em canções ou 'letras de música' e vai perceber como o ato de girar inspira as mais diversas canções.
Alguns animais sinalizam o ataque girando ao redor de sua presa; em algumas disputas por território, fêmeas insistem em girar ao redor do alvo - ou macho- eleito.
O instinto atávico faz com que cães girem ao redor de si  mesmo antes de deitar-se para dormir.
Apaixonados sentem 'o mundo girar' quando o eleito de nosso coração se aproxima.
E, na dança, um giro pode ser uma marcação da música, um elemento coreográfico, uma bela finalização.
Mas, depois dessa série de escritos, fica difícil imaginar que o giro é 'apenas' um giro. Não é?!
 Que cada bailarina encontre o seu significado no ato de girar.

Por Luciana Arruda
Site A bailarina.



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